CAPÍTULO QUINZE
lguns dias depois, na casa do Gus, os pais dele, os meus
pais, o Gus e eu estávamos todos espremidos à mesa de jantar, comendo pimentões
recheados sobre uma toalha que, de acordo com o pai do Gus, tinha sido usada
pela última vez no século passado.
Meu pai: ‚Emily, este risoto…‛
Minha mãe: ‚Está uma delícia.‛
Mãe do Gus: ‚Ah, obrigada. Terei o maior prazer em dar a
receita para você.‛
Gus, engolindo uma garfada: ‚Sabe, o gosto que estou
sentindo é não Oranjee.‛
Eu: ‚Bem observado, Gus. Esta comida, mesmo deliciosa, não
tem o mesmo gosto da comida do Oranjee.‛
Minha mãe: ‚Hazel.‛
Gus: ‚Tem gosto de…‛
Eu: ‚Comida.‛
Gus: ‚É, exatamente. Tem gosto de comida, muito bem
preparada. Mas o gosto não parece… como posso dizer isso de um jeito
delicado…?‛
Eu: ‚Não parece que Deus, em pessoa, preparou o paraíso numa
série de cinco pratos, os quais lhe foram servidos acompanhados de várias
bolhas luminosas de plasma fermentado e espumante, enquanto pétalas de flores
verdadeiras e literais flutuavam por toda a superfície do canal ao lado da sua
mesa de jantar.‛
Gus: ‚Bem colocado.‛
Pai do Gus: ‚Nossos filhos são estranhos.‛ Meu pai: ‚Bem
colocado.‛
* * *
A
Uma semana depois do nosso jantar, o Gus foi parar na
Emergência com dores no peito e acabou sendo internado no meio da noite. Fui de
carro até o Memorial na manhã seguinte e o visitei no quarto andar. Eu não ia
ao Memorial desde a visita ao Isaac. Ali não havia nenhuma parede pintada com
cores exageradamente vivas nem as pinturas emolduradas de cães ao volante de
veículos que se via no Hospital Pediátrico, mas a esterilidade completa do
lugar me fez sentir saudade daquela aura boba de ‚criança feliz‛. O Memorial
era tão funcional… Era tipo um depósito. Um prematório.
Quando as portas do elevador se abriram no quarto andar, vi
a mãe do Gus andando de um lado para outro na sala de espera, falando ao
celular. Ela desligou rapidamente e me abraçou, se oferecendo para carregar meu
carrinho.
— Não precisa, obrigada — falei. — Como está o Gus?
— Ele teve uma noite ruim, Hazel — ela respondeu. — O
coração dele está sobrecarregado. O Gus precisa diminuir o ritmo. Daqui para a
frente é só cadeira de rodas. Ele está sendo medicado com uma substância nova
que deve funcionar melhor no combate à dor. As irmãs dele acabaram de parar o
carro no estacionamento.
— Tá — falei. — Posso ver o Gus?
Ela colocou o braço no meu ombro e apertou-o com a mão. A
sensação foi esquisita.
— Você sabe que nós a amamos, Hazel, mas nesse momento
precisamos ficar apenas em família. O Gus concorda com isso. Tudo bem?
— Tudo — respondi.
— Vou dizer a ele que você esteve aqui.
— Tá — falei. — Só vou ficar por aí lendo um pouco, acho.
* * *
Ela andou até o fim do corredor, de volta ao lugar onde ele
estava. Eu compreendia, mas ainda assim sentia falta dele e imaginava que
talvez estivesse perdendo a última chance de ver o Gus, de me despedir, ou sei
lá. A sala de espera era toda forrada de carpete marrom e
mobiliada com estofados de tecido marrom. Eu me sentei num sofá por um tempo, o
carrinho do oxigênio enfiado debaixo dos meus pés. Eu tinha colocado meus Chuck
Taylors e minha camiseta do Ceci n’est pas une pipe, o mesmo figurino que usei
duas semanas antes no fim de tarde do diagrama de Venn, e ele nem ia ver.
Comecei a olhar as fotos do meu celular, um álbum de trás para a frente dos
últimos meses, começando com ele e o Isaac do lado de fora da casa da Monica, e
terminando com a primeira foto que tirei dele, a caminho dos Ossos Maneiros.
Parecia que tinha sido, tipo, há uma eternidade, como se tivéssemos vivido uma
breve, mas infinita, eternidade. Alguns infinitos são maiores que outros.
* * *
Duas semanas depois, fui empurrando a cadeira de rodas do
Gus pelo parque atrás do museu, em direção aos Ossos Maneiros, com uma garrafa
cheia de um champanhe muito caro e meu cilindro de oxigênio no colo dele. O
champanhe tinha sido doado por um dos médicos do Gus, o Gus sendo o tipo de
pessoa que inspira médicos a darem suas garrafas de champanhe mais especiais
para crianças. Ficamos ali sentados, ele na cadeira e eu na grama úmida, o mais
perto dos Ossos Maneiros que conseguimos chegar com a cadeira de rodas. Apontei
para as crianças que encorajavam umas às outras a pular da caixa torácica até o
ombro, e o Gus fez um comentário, a voz dele alta só o suficiente para que eu
conseguisse escutá-lo com todo aquele barulho.
— Da última vez me imaginei como sendo uma das crianças.
Dessa vez sou o esqueleto.
Nós bebemos o champanhe em copos de papel do Ursinho Pooh.
CAPÍTULO DEZESSEIS
sse foi um dia típico com o Gus em estágio terminal:
Fui até a casa dele por volta do meio-dia, depois de ele ter
tomado e vomitado o café da manhã. Ele abriu a porta para mim, de cadeira de
rodas, não mais aquele garoto musculoso e lindo que me encarou no Grupo de
Apoio, mas ainda com o sorriso torto nos lábios, fumando o cigarro apagado, os
olhos azuis intensos e vívidos.
Almoçamos com os pais dele à mesa de jantar. Sanduíches de
manteiga de amendoim e geleia, mais os aspargos da noite anterior. O Gus não
comeu. Perguntei como ele estava se sentindo.
— Maravilha — ele disse. — E você?
— Estou bem. O que você fez ontem à noite?
— Dormi um bocado. Quero escrever a continuação do livro
para você, Hazel Grace, mas estou sempre tão cansado o tempo todo…
— Você pode simplesmente me contar o que tem em mente — falei.
— Bem, eu continuo fiel à minha análise, anterior ao
encontro com o Van Houten, sobre o Homem das Tulipas Holandês. Ele não é um
vigarista, mas também não é rico como as fazia acreditar.
— E a mãe da Anna?
— Ainda não formei uma opinião a respeito dela. Paciência,
Gafanhoto. — O Augustus sorriu.
Os pais dele estavam em silêncio, observando o filho sem
desviar o olhar, como se quisessem curtir ao máximo o Show do Gus Waters
enquanto ainda estava em cartaz.
— Às vezes sonho que estou escrevendo minha autobiografia.
Um livro como esse seria a melhor forma de me perpetuar no coração e na memória
do público que me idolatra.
— Por que você precisa desse público quando tem a mim? —
E
perguntei.
— Hazel Grace, quando se é charmoso e fisicamente atraente
como eu, é fácil demais seduzir quem você conhece. Mas fazer com que completos
desconhecidos o amem… isso sim é um desafio.
Revirei os olhos.
* * *
Depois do almoço, saímos para o quintal. Ele ainda tinha
força para impulsionar sozinho a cadeira de rodas, levantando um pouquinho as
rodinhas da frente a fim de transpor a saliência da passagem da porta. Ainda
atlético, apesar de tudo, dotado de equilíbrio e reflexos ágeis que nem mesmo
aquela grande quantidade de analgésicos conseguia anular por completo.
Os pais dele ficaram dentro de casa, mas toda vez que eu
olhava para a sala de jantar, os dois estavam sempre nos observando.
Ficamos sentados lá fora em silêncio por um minuto e então o
Gus disse:
— Às vezes eu gostaria que ainda tivéssemos aquele balanço.
— Aquele do meu quintal?
— É. Minha nostalgia é tanta que consigo sentir saudade de
um balanço no qual a minha bunda nunca encostou de fato.
— A nostalgia é um efeito colateral do câncer — falei para
ele.
— Não… A nostalgia é um efeito colateral de se estar morrendo
— ele retrucou.
Acima de nós, o vento soprava e as sombras das árvores
andavam pela nossa pele. O Gus apertou a minha mão.
— É uma vida boa, Hazel Grace.
* * *
Entramos quando ele precisou tomar remédios, que eram
injetados com a ajuda de um líquido de nutrição através do tubo de alimentação,
um tubo de plástico que desaparecia dentro da barriga. Ele ficou em silêncio
por um tempo, fora do ar. A mãe quis que ele tirasse uma soneca, mas o
Gus sempre balançava a cabeça negativamente quando ela
sugeria isso, então nós simplesmente o deixamos ficar ali sentado na cadeira,
meio sonolento, por alguns instantes.
Os pais dele assistiram a um vídeo antigo do Gus com as
irmãs — elas tinham mais ou menos a minha idade, e o Gus, uns cinco anos.
Estavam jogando basquete na entrada de veículos de uma outra casa e, mesmo o
Gus sendo pequeno, conseguia driblá-las como se tivesse nascido fazendo aquilo,
correndo em círculos em volta das irmãs enquanto elas riam. Era a primeira vez
que eu o via jogar basquete.
— Ele era bom — falei.
— Você devia ter visto ele no ensino médio — o pai disse. —
Começou a jogar no time da escola quando ainda era calouro.
O Gus balbuciou:
— Posso ir lá para baixo?
A mãe e o pai empurraram a cadeira de rodas até o porão com
o Gus ainda em cima dela, sacudindo loucamente de um jeito que teria sido
considerado perigoso se o perigo ainda tivesse sua relevância, e depois nos
deixaram sozinhos. Ele foi para a cama e nós ficamos deitados ali juntos,
debaixo das cobertas, eu de lado e o Gus de costas, minha cabeça apoiada no
ombro ossudo dele, seu calor irradiando para a minha pele através da camisa
polo, meus pés entrelaçados ao pé de verdade dele, minha mão em sua bochecha.
Quando o rosto dele ficava bem perto do meu, meu nariz
encostando nele de tal maneira que só dava para ver seus olhos, era impossível
dizer que estava doente. Nós nos beijamos por um tempo e então ficamos ali,
juntos, deitados, ouvindo o álbum epônimo do The Hectic Glow, e acabamos
pegando no sono daquele jeito, um emaranhado quântico de tubos e corpos.
* * *
Acordamos algumas horas depois e arrumamos uma armada de
travesseiros para que ele pudesse se sentar confortavelmente apoiado na beira
da cama
e jogar Counterinsurgence 2: O preço do alvorecer. Eu era
uma negação jogando aquilo, claro, mas meu péssimo desempenho tinha uma
utilidade: tornava mais fácil para ele morrer lindamente, pular na frente do
projétil disparado por um atirador de elite e se sacrificar por mim, ou então
matar uma sentinela que estava prestes a me acertar. Como ele se divertia me
salvando! O Gus gritou:
— Você não vai matar minha namorada hoje, Terrorista
Internacional de Nacionalidade Indefinida!
Passou pela minha cabeça simular um engasgo ou algo do
gênero, para que ele pudesse aplicar a manobra de Heimlich em mim. Talvez assim
o Gus conseguisse se livrar do medo de sua vida não ter sido vivida nem perdida
a serviço de um bem maior. Mas aí levei em conta o fato de que ele talvez não
fosse ser fisicamente capaz de realizar a manobra de Heimlich, o que me faria
ter de revelar que tudo não passava de encenação, e a isso se seguiria um
sentimento de humilhação mútua.
* * *
É difícil como os diabos manter a dignidade quando a luz do
sol nascente é forte demais em seus olhos que perecem, e era nisso que eu
estava pensando enquanto íamos atrás dos caras maus nas ruínas de uma cidade
que não existia.
Por fim, o pai dele desceu e empurrou o Gus de volta para o
andar de cima e, na entrada da casa, abaixo de um Encorajamento que me dizia
que Amigos São Para Sempre, me abaixei para dar um beijo de boa-noite nele. Fui
para casa e jantei com meus pais, deixando o Gus sozinho para comer (e vomitar)
seu próprio jantar.
Depois de assistir a um pouco de TV, fui dormir.
Acordei.
Por volta do meio-dia, fui até lá de novo.
CAPÍTULO DEZESSETE
erta manhã, um mês depois do retorno de Amsterdã, fui
dirigindo até a casa dele. Seus pais me disseram que ele ainda estava dormindo
lá embaixo, então bati na porta do porão antes de entrar e falei:
— Gus?
Encontrei-o balbuciando um idioma de sua própria criação.
Tinha mijado na cama. Foi horrível. Não consegui nem olhar, sério. Só gritei
pelos pais dele, que foram até lá embaixo, e subi as escadas enquanto o secavam
e limpavam.
Quando voltei ao porão ele estava despertando gradualmente
do efeito dos analgésicos para mais um dia excruciante. Arrumei os travesseiros
para que pudéssemos jogar Counterinsurgence no colchão sem lençóis, mas ele
estava tão cansado e desconcentrado que teve um desempenho ruim como o meu, e
não conseguimos passar cinco minutos sem que ambos acabássemos morrendo. E
também não eram mortes heroicas nem elaboradas. Só mortes negligentes.
Não falei nada para o Gus. Quase desejei que ele esquecesse
que eu estava lá, acho, e esperava que não lembrasse que eu havia encontrado o
garoto que eu amo mostrando sinais de demência deitado numa poça de seu próprio
mijo. Fiquei meio que esperando que ele fosse olhar para mim e dizer: ‚Ah,
Hazel Grace. Como você chegou até aqui?‛
Mas, infelizmente, ele lembrava.
— A cada minuto que passa estou desenvolvendo uma simpatia
mais profunda pela palavra mortificado — ele disse, por fim.
— Eu já fiz xixi na cama, Gus, acredite. Não é nada demais.
— Você costumava — ele falou, e então suspirou profundamente
— me chamar de Augustus.
C
* * *
— Sabe — ele disse depois de um tempo —, isso é coisa de
criança, mas sempre imaginei que meu obituário sairia impresso em todos os
jornais, que eu teria uma história digna de ser contada. Sempre suspeitei
secretamente que eu fosse especial.
— Você é — falei.
— Você sabe o que eu quero dizer — ele retrucou.
Eu sabia o que ele queria dizer. Só não concordava com
aquilo.
— Não estou nem aí se o New York Times vai redigir um
obituário para mim. Só quero que seja você a escrever — falei. — Você diz que
não é especial porque o mundo não sabe da sua existência, mas isso é um insulto
à minha pessoa. Eu sei da sua existência.
— Não acho que eu vá sobreviver para escrever seu obituário
— ele disse, em vez de pedir desculpas.
Fiquei muito frustrada.
— Só o que eu quero é ser o suficiente para você, mas nunca
consigo. Isso aqui nunca chega a ser o suficiente para você. Mas é isso o que
você tem. Você tem a mim, tem sua família e tem este mundo. Esta é a sua vida. Sinto
muito se é uma droga. Mas você não vai ser o primeiro homem a pisar em Marte,
não vai ser um astro da NBA e não vai caçar nazistas. Quer dizer, dê uma olhada
em você, Gus. — Ele não disse nada. — Eu não quero dizer… — comecei.
— Ah, você quis dizer, sim — ele me interrompeu.
Comecei a me desculpar e ele disse:
— Não, foi mal. Você está certa. Vamos só jogar.
Então nós só jogamos.
CAPÍTULO DEZOITO
cordei com meu telefone tocando uma música do The Hectic
Glow. A preferida do Gus. Aquilo significava que era ele quem estava me
ligando… ou que alguém estava me ligando do celular dele. Dei uma olhada no
relógio: 2h35 da manhã. Ele se foi, pensei enquanto tudo dentro de mim
colapsava para uma singularidade.
Mal consegui dizer:
— Alô?
Esperei pelo som da voz devastada de um pai ou uma mãe.
— Hazel Grace — o Augustus disse baixinho.
— Ai, graças a Deus é você. Oi. Oi, eu te amo.
— Hazel Grace, estou no posto de gasolina. Tem alguma coisa
errada. Você precisa me ajudar.
— O quê? Onde você está exatamente?
— Na esquina da Rua 86 com a Avenida Ditch. Eu fiz alguma
besteira com o tubo de alimentação e não sei o que foi e…
— Vou ligar para uma ambulância — falei.
— Não não não não não, eles vão me levar para um hospital.
Hazel, preste atenção. Não ligue para uma ambulância nem para os meus pais, eu
nunca vou perdoar você, não faça isso, só venha aqui, por favor, e conserte a
desgraça do meu tubo de alimentação. É só que, cara, isso é a maior estupidez.
Não quero que meus pais saibam que saí. Por favor. Estou com o remédio aqui; só
não consigo colocá-lo para dentro. Por favor. Ele estava chorando. Nunca o
tinha ouvido chorar daquele jeito, exceto quando eu estava do lado de fora da
casa dele antes de Amsterdã.
— Tá — falei. — Estou indo agora.
Removi o BiPAP e me conectei a um cilindro de oxigênio.
Coloquei-o no carrinho, calcei um tênis que combinava com a calça de pijama de
A
algodão cor-de-rosa e com a camiseta de malha do time de
basquete da Universidade de Butler, que tinha sido do Gus. Peguei as chaves na
gaveta da cozinha onde mamãe as guardava e escrevi um bilhete para o caso de os
dois acordarem enquanto eu estivesse fora.
Fui ver o Gus.
É importante. Foi mal.
Com amor, H
Enquanto eu percorria de carro os poucos quilômetros até o
posto de gasolina, despertei o suficiente para tentar imaginar por que o Gus
tinha saído de casa no meio da noite. Talvez ele estivesse tendo alucinações,
ou suas fantasias de martírio o tivessem derrotado.
Pisei fundo na Avenida Ditch passando por sinais de trânsito
que piscavam no amarelo, indo rápido demais meio que para chegar logo e meio
que na esperança de que um policial fosse me fazer encostar o carro e me dar um
motivo para dizer a alguém que meu namorado moribundo estava empacado num posto
de gasolina com um tubo de alimentação defeituoso. Mas nenhum policial apareceu
para tomar aquela decisão por mim.
* * *
Só havia dois carros estacionados em frente à loja de
conveniência do posto. Parei o meu ao lado do dele. Abri a porta. A luz interna
se acendeu. O Augustus estava sentado no banco do motorista, coberto de vômito,
as mãos pressionando a barriga no local onde o tubo de alimentação entrava.
— Oi — ele murmurou.
— Ai, meu Deus, Augustus, nós temos que ir para um hospital.
— Dê só uma olhada aqui, por favor.
Tive ânsia de vômito mas me inclinei a fim de checar o local
acima do umbigo onde o tubo havia sido cirurgicamente instalado. A pele estava
quente e muito vermelha.
— Gus, acho que infeccionou. Não vou conseguir resolver. Por
que você está aqui? Por que não está em casa?
Ele vomitou, sem energia nem para virar o rosto e poupar seu
colo.
— Ah, meu amor — falei.
— Eu queria comprar um maço de cigarros — ele balbuciou. —
Perdi o meu. Ou então esconderam de mim. Não sei. Eles disseram que iam me
comprar outro, mas eu quis… fazer isso sozinho. Fazer uma coisa simples sem
ajuda. Ele estava olhando fixamente para a frente. Devagarinho, peguei meu
celular e olhei para o teclado a fim de discar 911.
— Sinto muito — falei para ele. Nove-um-um, qual é a sua
emergência?
— Oi, eu estou na esquina da Rua 86 com a Avenida Ditch e
preciso de uma ambulância. O amor da minha vida está com um tubo de alimentação
defeituoso.
* * *
Ele levantou os olhos para me olhar. Foi horrível. Eu mal
conseguia encará-lo. O Augustus Waters dos sorrisos tortos e dos cigarros
apagados já era, substituído por uma criatura deploravelmente humilhada sentada
ali abaixo de mim.
— É o fim. Não consigo nem mais não fumar.
— Gus, eu te amo.
— Onde está a minha chance de ser o Peter Van Houten de
alguém? — O Gus bateu sem força no volante, o carro buzinando enquanto ele
chorava. Inclinou a cabeça para trás, olhando para cima. — Eu me odeio eu me
odeio eu odeio isso eu odeio isso eu tenho nojo de mim eu odeio isso eu odeio
isso eu odeio isso deixe eu morrer de uma vez.
De acordo com as convenções do gênero, o Augustus Waters
manteve o senso de humor até o fim, nem por um momento abandonou sua coragem, e
seu espírito elevou-se como uma águia indomável até que o mundo em si não
conseguiu conter sua alma repleta de júbilo.
Mas essa era a verdade: um garoto digno de pena que queria
desesperadamente não ser digno de pena, gritava e chorava,
sendo envenenado pelo tubo de alimentação infectado que o mantinha vivo, mas
não o suficiente.
Limpei o queixo dele e segurei seu rosto nas minhas mãos, me
ajoelhando a fim de poder ver seus olhos, que ainda tinham vida.
— Sinto muito. Queria que fosse como naquele filme, com os
persas e os espartanos.
— Eu também — ele disse.
— Mas não é — falei.
— Eu sei — ele completou.
— Não tem nenhum cara do mal aqui.
— É.
— Nem o câncer é um bandido de verdade: o câncer só quer
viver.
— É.
— Está tudo bem — falei para ele.
E pude ouvir as sirenes.
— Tudo bem — ele falou.
Estava perdendo a consciência.
— Gus, você tem que me prometer que não vai fazer mais isso.
Eu compro cigarros para você, tá? — Ele me olhou. Seus olhos nadavam nas
órbitas. — Você tem que me prometer.
Ele fez que sim com a cabeça, de leve, e então fechou os
olhos, a cabeça pendendo do pescoço.
— Gus — falei. — Fique aqui comigo.
— Leia alguma coisa para mim — ele disse, enquanto a
desgraça da ambulância passava direto por nós.
Então, enquanto eu esperava que eles dessem a volta e nos
encontrassem, recitei o único poema que me veio à cabeça: ‚O Carrinho de Mão
Vermelho‛, de William Carlos Williams.
tanta coisa depende
de um
carrinho de mão
vermelho
esmaltado de água de
chuva
ao lado das galinhas
brancas.
Williams era médico. Aquele parecia, para mim, um poema de
médico. Tinha acabado, mas a ambulância ainda se afastava de nós, então fui compondo
o poema.
* * *
E tanta coisa depende, falei para o Augustus, de um céu azul
descortinado pelos galhos das árvores. Tanta coisa depende do tubo de
alimentação transparente erupcionando das vísceras do garoto de lábios
cianóticos. Tanta coisa depende desse observador do universo.
Só metade consciente, ele olhou para mim e murmurou:
— E você ainda diz que não escreve poesia.
CAPÍTULO DEZENOVE
le saiu do hospital e foi para casa alguns dias depois,
final e irrevogavelmente esvaziado de suas ambições. Passou a precisar de mais
remédios para acabar com a dor. Ele se mudou para o andar de cima
permanentemente, para uma cama de hospital colocada perto da janela da sala de
estar.
Aqueles foram dias de pijamas e barba por fazer, de
murmúrios, de pedidos e do Gus agradecendo sem parar a todo mundo por tudo o
que estavam fazendo por ele. Uma tarde, ele apontou vagamente para o cesto de
roupa suja no canto do cômodo e me perguntou:
— O que é aquilo?
— O cesto de roupa suja?
— Não, ao lado dele.
— Não vejo nada ao lado dele.
— Meu último resquício de dignidade. É muito pequeno.
* * *
No dia seguinte, entrei sem bater. Eles não queriam mais que
eu tocasse a campainha porque isso poderia acordar o Gus. As irmãs dele estavam
lá com os maridos banqueiros e três crianças, todas meninos, que correram até
mim e cantaram quem é você quem é você quem é você, correndo em círculos pelo
hall de entrada como se a capacidade pulmonar fosse um recurso renovável. Eu já
havia sido apresentada às irmãs, mas nunca às crianças ou aos pais delas.
— Meu nome é Hazel — falei.
— Gus tem namorada — um dos meninos disse.
— Eu sei que o Gus tem namorada — falei.
E
— Ela tem peito — um dos outros disse.
— Mesmo?
— Por que você carrega isso? — o primeiro perguntou,
apontando para o carrinho do oxigênio.
— Ele me ajuda a respirar — respondi. — O Gus está acordado?
— Não, ele está dormindo.
— Ele está morrendo — falou outro.
— Ele está morrendo — confirmou o terceiro, repentinamente
sério.
Tudo ficou em silêncio por alguns instantes e eu fiquei tentando
imaginar o que deveria dizer, mas então um deles chutou o do lado e os três
saíram de novo em disparada, um caindo por cima do outro num furacão que
migrava para a cozinha.
Segui até a sala de estar para ver os pais do Gus e conheci
os cunhados, Chris e Dave.
Eu não tinha chegado a conhecer as meias-irmãs direito, mas
ambas me abraçaram mesmo assim. A Julie estava sentada na beira da cama,
falando com um Gus adormecido exatamente com o mesmo tom de voz que alguém
usaria para falar para uma criança que ela era adorável, dizendo:
— Ah, Gussy Gussy, nosso pequeno Gussy Gussy.
Nosso Gussy? Elas tinham comprado ele?
— E aí, Augustus? — falei, tentando reproduzir um modelo de
comportamento apropriado.
— Nosso belo Gussy — disse a Martha, se inclinando para a
frente, mais para perto dele.
Comecei a me perguntar se o Gus estava dormindo de verdade
ou se tinha pressionado sem parar a bombinha que liberava os analgésicos a fim
de evitar o Ataque das Irmãs Bem-intencionadas.
* * *
Ele acordou depois de um tempo e a primeira coisa que disse
foi:
— Hazel.
O que, tenho de admitir, me deixou feliz, como se eu também
fizesse parte da família dele, talvez.
— Lá fora — ele falou, baixinho. — Podemos ir?
Fomos todos: a mãe empurrando a cadeira de rodas, as irmãs,
os cunhados, o pai, os sobrinhos e eu seguindo em procissão. O dia estava
nublado, ainda, e quente, pois o verão havia chegado de vez. O Gus estava com
uma camiseta de manga comprida azul-marinho e calça de moletom. Por algum
motivo, sentia frio o tempo todo. Ele pediu água, então seu pai foi e buscou um
copo cheio.
A Martha tentou puxar conversa com ele, ajoelhando-se a seu
lado, dizendo:
— Você sempre teve olhos tão bonitos.
Ele assentiu com a cabeça, devagarinho.
Um dos maridos colocou um dos braços no ombro do Gus e
falou:
— O que está achando desse ar puro?
O Gus deu de ombros.
— Você quer seus remédios? — a mãe dele perguntou, se
juntando à roda de pessoas ajoelhadas à sua volta.
Dei um passo atrás, vendo os sobrinhos destruírem um
canteiro de flores a caminho do pequeno gramado no quintal do Gus. Eles
começaram imediatamente a brincar de jogar um ao outro no chão.
— Crianças! — a Julie gritou sem muita convicção. — Só
espero — ela disse, se virando de novo para o Gus — que eles cresçam e sejam o
tipo de jovem atencioso e inteligente que você se tornou.
Resisti à vontade de fingir que ia enfiar o dedo na
garganta.
— Ele não é tão inteligente assim — falei para a Julie.
— Ela tem razão. É só que a maioria das pessoas muito
bonitas é burra, por isso eu supero as expectativas.
— É isso aí. Ele é basicamente sensual — falei.
— A minha sensualidade pode meio que cegar — ele disse.
— Como de fato cegou o nosso amigo Isaac — falei.
— Uma tragédia sem precedentes, aquela. Mas dá para eu
conter a minha beleza mortal?
— Não, não dá.
— É minha sina, esse rosto lindo.
— Isso sem falar no seu corpo.
— Na moral, não vou nem começar a falar do meu corpo sexy.
Você não ia querer me ver nu, Dave. Na verdade, me ver pelado foi o que fez a
Hazel Grace perder o ar — ele falou, fazendo um gesto com a cabeça na direção
do cilindro de oxigênio.
— Tá, já chega — o pai do Gus disse, e então, do nada, me
abraçou e beijou a minha cabeça, sussurrando:
— Eu agradeço a Deus todos os dias por você existir, menina.
Bem, de qualquer jeito, aquele foi o último dia bom que
passei com o Gus até o Último Dia Bom.
CAPÍTULO VINTE
ma das convenções menos sem sentido do tipo criança com
câncer é a do Último Dia Bom, quando a vítima do câncer se vê vivendo horas
imprevistas nas quais parece que, de repente, o declínio inexorável atingiu um
nível estável, quando a dor é suportável por um momento. O problema,
obviamente, é que não dá para saber que seu último dia bom é o seu Último Dia
Bom. Na hora, ele é só um dia bom como outro qualquer.
Eu não tinha ido visitar o Augustus naquele dia porque eu
mesma não estava me sentindo muito bem: nada especialmente sério, só estava
cansada. Foi um dia de não fazer nada, e quando o Augustus ligou logo depois
das cinco da tarde eu já estava conectada ao BiPAP, que tínhamos arrastado até
a sala de estar para que eu pudesse ver televisão com a mamãe e o papai.
— Oi, Augustus — falei.
Ele respondeu com a voz pela qual eu tinha me apaixonado.
— Boa tarde, Hazel Grace. Por acaso você acha que poderia
dar uma chegada no Coração Literal de Jesus lá pelas oito da noite?
— Humm… sim.
— Excelente. E também, se não for pedir demais, você poderia
preparar um elogio fúnebre, por favor?
— Humm — falei.
— Eu te amo — ele disse.
— Eu também — completei, e ele desligou o telefone.
— Humm — comecei. — Preciso ir ao Grupo de Apoio hoje, às
oito da noite. Sessão de emergência.
Minha mãe tirou o som da TV.
— Está tudo bem?
U
Olhei para ela por um segundo, a sobrancelha arqueada.
— Imagino que essa seja uma pergunta retórica.
— Mas por que haveria…
— Porque, por algum motivo, o Gus precisa de mim. Está tudo
bem. Posso ir dirigindo.
Fiquei brincando com o BiPAP para que a mamãe pudesse me
ajudar a tirá-lo, mas ela nem se mexeu.
— Hazel — ela falou —, seu pai e eu estamos com a sensação
de que não a vemos mais.
— Principalmente aqueles de nós que trabalham a semana toda
— papai disse.
— Ele precisa de mim — falei, finalmente tirando o BiPAP
sozinha.
— Nós também precisamos de você, filha — meu pai falou.
Ele me segurou firme pelo pulso, como se eu fosse uma
garotinha de dois anos prestes a sair correndo pela rua.
— Bem, pai, arrume uma doença terminal, e aí eu fico mais em
casa.
— Hazel — minha mãe falou.
— Era você quem não queria que eu fosse uma reclusa — falei
para ela. Papai ainda estava segurando o meu braço. — E agora quer que ele vá e
morra para que eu volte a ficar aprisionada aqui, deixando que você tome conta
de mim como sempre deixei. Mas eu não preciso disso, mãe. Não preciso de você
como precisava antes. É você quem precisa viver a sua vida.
— Hazel! — o papai falou, apertando ainda mais o meu pulso.
— Peça desculpas à sua mãe.
Eu estava puxando meu braço, mas ele não me soltava, e eu
não conseguia colocar a cânula só com uma das mãos. Era de dar nos nervos. Tudo
o que eu queria era um rompante adolescente à moda antiga, sair como um
furacão, bater a porta do meu quarto, botar o The Hectic Glow bem alto para
tocar e escrever freneticamente um elogio fúnebre. Mas eu não podia fazer isso
porque não conseguia respirar.
— A cânula — eu me queixei. — Preciso dela.
Meu pai me soltou imediatamente e se apressou em me conectar
com
o oxigênio. Pude ver a culpa em seus olhos, mas ele ainda
estava com raiva.
— Hazel, peça desculpas para sua mãe.
— Tá bem, foi mal, só me deixem fazer isso, por favor.
Eles não disseram nada. Mamãe continuou sentada com os
braços cruzados, sem nem olhar para mim. Depois de um tempo eu me levantei e
fui para o quarto a fim de escrever sobre o Augustus.
Tanto a mamãe quanto o papai bateram na minha porta algumas
vezes, e tal, e eu só respondi dizendo que estava fazendo uma coisa importante.
Levei uma eternidade para descobrir o que gostaria de dizer, e mesmo depois não
fiquei muito satisfeita com o resultado. Antes de dar o texto por encerrado,
tecnicamente falando, reparei que eram 7h40, o que significava que eu chegaria
atrasada mesmo se não trocasse de roupa, então, no fim das contas, fui com a
calça do pijama de algodão azul-bebê, um par de chinelos e a camiseta do time
da Butler, do Gus.
Saí do quarto e tentei passar direto por eles, mas meu pai
disse:
— Você não pode sair desta casa sem permissão.
— Ai, meu Deus, pai. O Gus queria que eu escrevesse um
elogio fúnebre para ele, tá? Eu vou ficar em casa todo. Raio. De. Noite.
Começando qualquer dia a partir de amanhã, tudo bem?
Aquilo finalmente os fez calar a boca.
* * *
Só me acalmei da discussão com meus pais quando já estava
chegando lá. Dei a volta na parte de trás da igreja e estacionei na entrada de
veículos semicircular, atrás do carro do Augustus. A porta dos fundos estava
aberta, presa por uma pedra do tamanho de um punho. Lá dentro, considerei a
possibilidade de descer de escada, mas decidi esperar pelo velho elevador.
Quando a porta do elevador se abriu eu me vi na sala de reunião
do Grupo de Apoio, as cadeiras arrumadas na mesma roda de sempre. Mas agora o
que enxerguei foi só o Gus numa cadeira de rodas, morbidamente magro. Ele me
encarava do meio do círculo. Tinha ficado esperando a
porta do elevador se abrir.
— Hazel Grace — ele disse —, você está estonteante.
— Estou, não estou?
Ouvi um barulho vindo de um canto escuro do cômodo. O Isaac
estava de pé atrás de um pequeno púlpito de madeira, apoiando-se nele.
— Você quer se sentar? — perguntei para o Isaac.
— Não. Estou prestes a começar um elogio fúnebre. Você está
atrasada.
— Você… eu… o quê?
O Gus fez um gesto para eu me sentar. Puxei uma cadeira até
o meio da roda, para perto dele, e ele girou a cadeira de rodas para ficar de
frente para o Isaac.
— Quero comparecer ao meu enterro — o Gus disse. — A
propósito, você vai dizer algumas palavras no meu enterro?
— Humm, claro, vou sim — falei, deixando minha cabeça
repousar no ombro dele.
Estendi os braços por suas costas e abracei tanto o Gus
quanto a cadeira de rodas. Ele fez uma careta. Eu o larguei.
— Beleza — ele falou. — Tenho esperança de poder comparecer
como fantasma, mas, só para garantir, pensei que talvez… bem, não é que eu
queira deixar vocês numa situação difícil nem nada, mas esta tarde tive a ideia
de organizar um pré-enterro, e deduzi que, já que estou me sentindo
relativamente bem, não há momento melhor que o presente.
— Como é que você conseguiu entrar aqui? — perguntei.
— Você acredita que eles deixam a porta aberta a noite toda?
— Humm… não — respondi.
— E não deveria mesmo — o Gus sorriu. — Bem, de qualquer
forma, sei que isso é um pouco autoengrandecedor.
— Ei, você está roubando meu elogio fúnebre — o Isaac disse.
— A primeira parte fala de como você era um filho da mãe autoengrandecedor.
Eu ri.
— Tá, tá — o Gus disse. — Quando quiser.
O Isaac limpou a garganta.
— O Augustus Waters era um filho da mãe autoengrandecedor.
Mas nós o perdoamos. Nós o perdoamos não porque seu coração figurativo era tão
bom quanto o coração literal era ruim, nem porque ele sabia segurar um cigarro
melhor que qualquer outro não fumante na história, nem porque ele viveu dezoito
anos quando deveria ter vivido mais.
— Dezessete — o Gus corrigiu.
— Estou presumindo que você ainda tenha algum tempo de vida,
seu filho da mãe que só sabe interromper os outros. Vou dizer uma coisa para
vocês — o Isaac continuou —, o Augustus Waters falava tanto que seria capaz de
interromper a pessoa falando em seu próprio enterro. E ele era pretensioso: Meu
Jesus Cristo, aquele garoto nunca mijava sem ponderar a respeito das
ressonâncias metafóricas abundantes na produção de dejetos humanos. E ele era
vaidoso: não creio ter conhecido uma pessoa mais atraente fisicamente que
tivesse uma consciência tão profunda de sua própria atratividade física. Mas só
digo uma coisa: quando os cientistas do futuro aparecerem na minha casa com
olhos robóticos e me disserem para experimentá-los, vou mandar eles se foderem,
porque não quero ver um mundo sem o Augustus.
Eu estava meio que chorando a essa altura.
— E aí, depois de ter defendido meu argumento retórico, vou
colocar os olhos robóticos, porque, quer dizer, com olhos robóticos pode ser
que eu consiga ver através das camisetas das garotas, e tal. Augustus, meu
amigo, que bons ventos o levem.
O Augustus balançou a cabeça por alguns instantes, os lábios
franzidos, e então fez um sinal de positivo com o polegar para o Isaac. Depois
de recuperar a compostura, comentou:
— Eu deixaria de fora a parte sobre ver através das
camisetas das garotas.
O Isaac ainda estava apoiado no púlpito. E começou a chorar.
Apoiou a testa com o rosto virado para o pódio e eu fiquei vendo seus ombros
tremerem.
Por fim, ele falou:
— Porra, Augustus, editando seu próprio elogio fúnebre…
— Não fale palavrão no Coração Literal de Jesus — o Gus
disse.
— Porra — o Isaac repetiu. Ele levantou a mão e engoliu em
seco. — Hazel, você poderia me dar uma mãozinha aqui?
Tinha me esquecido de que ele não conseguia voltar para a
roda sozinho. Eu me levantei, coloquei a mão dele no meu braço e o guiei
lentamente até a cadeira ao lado do Gus, onde estivera sentada. Aí andei até o
pódio e desdobrei o pedaço de papel no qual havia impresso meu elogio fúnebre.
— Meu nome é Hazel. O Augustus Waters foi o grande amor
estrela-cruzada da minha vida. Nossa história de amor foi épica, e não serei
capaz de falar mais de uma frase sobre isso sem me afogar numa poça de
lágrimas. O Gus sabia. O Gus sabe. Não vou falar da nossa história de amor para
vocês porque, como todas as histórias de amor de verdade, ela vai morrer com a
gente, como deve ser. Eu tinha a expectativa de que ele é quem estaria fazendo
o meu elogio fúnebre, porque não há ninguém que eu quisesse tanto que…. —
Comecei a chorar. — Tá, como não chorar. Como é que eu… tá. Tá.
Respirei fundo algumas vezes e retomei a leitura.
— Não posso falar da nossa história de amor, então vou falar
de matemática. Não sou formada em matemática, mas sei de uma coisa: existe uma
quantidade infinita de números entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma
infinidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o
2, ou entre o 0 e o 1 milhão. Alguns infinitos são maiores que outros. Um
escritor de quem costumávamos gostar nos ensinou isso. Há dias, muitos deles,
em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Queria mais
números do que provavelmente vou ter, e, por Deus, queria mais números para o
Augustus Waters do que os que ele teve. Mas, Gus, meu amor, você não imagina o
tamanho da minha gratidão pelo nosso pequeno infinito. Eu não o trocaria por
nada nesse mundo. Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados,
e sou muito grata por isso.
CAPÍTULO VINTE E UM
Augustus Waters morreu oito dias depois do seu pré-enterro,
no Memorial, na UTI, quando o câncer, que era feito dele, finalmente parou seu
coração, que também era feito dele. Ele estava com a mãe, o pai e as irmãs. A
mãe do Gus me ligou às três e meia da madrugada. Eu já sabia, obviamente, que
ele estava para partir. Tinha falado com o pai dele antes de dormir, e ele me
disse: ‚É possível que não passe de hoje‛, mas, ainda assim, quando peguei o
celular da mesa de cabeceira e vi Mãe do Gus na identificação da chamada, tudo
dentro de mim desmoronou. Ela só chorava do outro lado da linha, e me disse que
sentia muito, eu disse que sentia muito também, e ela me contou que ele havia
ficado inconsciente por algumas horas antes de morrer.
Meus pais entraram no meu quarto nessa hora, me olhando na
expectativa, e eu simplesmente assenti com a cabeça. Eles se abraçaram,
sentindo, tenho certeza, o terror harmônico que viria direcionado
especificamente para eles dali a algum tempo.
Liguei para o Isaac, que xingou a vida, o universo e até o
próprio Deus, e perguntou onde estavam os raios dos troféus para se quebrar
quando mais se precisava deles. Foi então que me dei conta de que não havia
mais ninguém para quem ligar, o que era muito triste. A única pessoa com quem
eu queria falar sobre a morte do Augustus Waters era o Augustus Waters. Meus
pais ficaram comigo no quarto por uma eternidade, até quando já era de manhã e
o papai finalmente perguntou:
— Você quer ficar sozinha?
Eu fiz que sim com a cabeça e a mamãe completou:
— Estaremos logo ali atrás da porta. E eu pensei: não duvido
nada.
* * *
O
Foi insuportável. A coisa toda. Cada segundo pior que o anterior.
Eu só ficava pensando em ligar para ele, tentando imaginar o que aconteceria,
se alguém atenderia o celular. Nas últimas semanas, nós nos limitamos a passar
o nosso tempo juntos relembrando o passado, mas isso não significava mais nada:
o prazer de lembrar tinha sido tirado de mim, porque não havia mais ninguém com
quem compartilhar as lembranças. Parecia que a perda do colembrador
representava a perda da própria memória, como se as coisas que tínhamos feito
juntos fossem menos reais e importantes do que eram algumas horas antes.
Quando você chega à Emergência de um hospital, uma das
primeiras coisas que eles pedem é que você dê uma nota para a sua dor numa
escala de um a dez. A partir daí eles decidem que medicamentos prescrever e a
velocidade com que têm de ser administrados. Passei por essa situação centenas
de vezes no decorrer dos anos, e me lembro de uma vez, logo no início, em que
eu não estava conseguindo respirar e parecia que meu peito pegava fogo, as
chamas lambendo meu tórax por dentro, tentando encontrar um jeito de sair e
queimar o lado de fora, e meus pais me levaram para a Emergência. Uma
enfermeira me perguntou sobre a dor e eu não conseguia nem falar, então mostrei
nove dedos.
Depois, quando eles já tinham me dado alguma coisa, a enfermeira
voltou e ficou meio que acariciando minha mão enquanto media a minha pressão
arterial, então disse: ‚Sabe como eu sei que você é guerreira? Você chamou um
dez de nove.‛
Mas não foi exatamente o que aconteceu. Eu chamei aquilo de
nove porque estava poupando o meu dez. E aqui estava ele, o grande e terrível
dez me açoitando sem parar, e eu ali sozinha, deitada na minha cama, olhando
fixamente para o teto, as ondas me jogando de encontro às pedras e depois me
puxando de volta para o mar a fim de poderem me lançar mais uma vez na face
chanfrada do penhasco, me abandonando na água, boiando, o rosto virado para
cima sem me afogar.
Acabei ligando para ele. O telefone tocou cinco vezes e a
caixa postal atendeu. ‚Esta é a caixa postal do Augustus Waters‛, ele disse, a
voz de
clarim pela qual eu tinha me apaixonado. ‚Deixe uma
mensagem.‛ E o bipe. O silêncio na linha era muito horripilante. Eu só queria
voltar com ele para aquela terceira dimensão secreta e pós-terrestre que
visitávamos quando falávamos ao telefone. Esperei por aquele sentimento, mas
não veio: o silêncio na linha não me trouxe nenhum conforto, e, por fim,
desliguei.
Peguei meu laptop, que estava debaixo da cama, apertei o
botão de ligar e fui direto no perfil dele, onde as mensagens de pêsames já
inundavam o mural. A mais recente dizia:
Eu te amo, irmão. Te vejo do outro lado.
…Escrita por alguém de quem eu nunca tinha ouvido falar. Na
verdade, quase todos os posts no mural dele, que chegavam quase na mesma
velocidade que eu levava para acabar de ler cada um, foram escritos por pessoas
que não conheci e das quais ele nunca tinha falado, pessoas que estavam
exaltando as diversas virtudes dele agora, depois de morto, mesmo eu tendo
certeza de que não viam o Gus havia vários meses e nem tinham feito qualquer
esforço para visitá-lo. Fiquei tentando imaginar se meu mural ficaria assim
quando eu morresse, ou se eu já tinha ficado longe da escola e da vida tempo
suficiente para escapar da memorialização generalizada. Continuei lendo.
Já sinto saudade de você, irmão.
Eu te amo, Augustus.
Deus te abençoe e te guarde.
Você vai viver para sempre em nossos corações, grande.
(Essa, em particular, me irritou, porque implicava a
imortalidade daqueles que ficaram para trás: você vai viver para sempre na
minha memória, porque eu vou viver para sempre! EU SOU SEU DEUS AGORA, GAROTO
MORTO! EU POSSUO VOCÊ! Achar que você não vai morrer é, também, mais um efeito
colateral de se estar morrendo.)
Você sempre foi um amigo tão legal que sinto muito por não
ter te visto mais depois que saiu da escola, irmão. Aposto que já está batendo
uma bola no paraíso.
Imaginei qual seria a análise do Augustus Waters àquele
comentário. Se estou jogando basquete no paraíso, isso implica a existência
física de um paraíso contendo bolas de basquete físicas? Quem faz as bolas de
basquete em questão? Existem almas menos afortunadas no paraíso que trabalham
numa fábrica de bolas de basquete celestial para que eu possa jogar? Ou será
que foi um Deus onipotente que criou as bolas de basquete a partir do vácuo no
espaço? Este paraíso fica localizado em algum tipo de universo não observável
no qual as leis da física não se aplicam? Caso isso seja verdade, por que raios
eu estaria jogando basquete quando poderia estar voando, lendo, admirando
pessoas bonitas ou fazendo qualquer outra coisa de que realmente gosto? É quase
como se o modo como você imagina meu ‚eu‛ morto dissesse mais sobre você do que
sobre a pessoa que eu era ou sobre o que quer que eu seja agora.
* * *
Os pais dele ligaram por volta do meio-dia para dizer que o
enterro estava marcado para dali a cinco dias, no sábado. Imaginei uma igreja
cheia de pessoas que achavam que ele gostava de basquete e quis vomitar, mas
sabia que precisava ir, já que teria de falar, e tudo mais. Quando desliguei o
telefone, voltei a ler o mural:
Acabei de saber que o Gus Waters morreu depois de uma longa
batalha contra o câncer.
Descanse em paz, cara.
Eu sabia que aquelas pessoas estavam sinceramente tristes e
que eu não estava com raiva delas de verdade. Estava com raiva era do universo.
Mesmo assim, aquilo me deixou furiosa: você ganha todos
esses amigos justo quando não precisa mais. Escrevi um comentário àquele post:
Nós vivemos num universo dedicado à criação e à erradicação
da consciência. Augustus Waters não morreu depois de uma longa batalha contra o
câncer. Ele morreu depois de uma longa batalha contra a consciência humana, uma
vítima — como você será — da necessidade do universo de fazer e desfazer tudo o
que é possível.
Postei aquilo e esperei que alguém respondesse, atualizando
a página várias vezes. Nada. Meu comentário se perdeu na nevasca dos novos
posts. Todo mundo ia sentir muita falta dele. Todos estavam rezando pela
família dele. Eu me lembrei da carta do Van Houten: A escrita não ressuscita. Ela
enterra.
* * *
Depois de um tempo, fui para a sala de estar a fim de me
sentar com meus pais e ver TV. Não sabia dizer que programa era aquele, mas,
num determinado momento, minha mãe disse:
— Hazel, há alguma coisa que possamos fazer por você? — Só
balancei a cabeça. E comecei a chorar de novo. — O que podemos fazer? — ela
insistiu.
Eu dei de ombros.
Mas ela continuou perguntando, como se houvesse algo que
pudesse fazer, até que, por fim, eu meio que me arrastei pelo sofá para o colo
dela, e meu pai chegou mais para perto e segurou minhas pernas com firmeza. Eu
abracei minha mãe pela cintura e eles ficaram me segurando horas enquanto a
maré se avolumava sobre mim.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
ssim que chegamos lá eu me sentei no fundo da sala de
visitas da igreja, um cômodo pequeno de paredes de pedra ao lado do santuário
na igreja do Coração Literal de Jesus. Havia mais ou menos umas oitenta
cadeiras dispostas pela sala, que estava dois terços cheia, mas a sensação era
de que estava um terço vazia.
Por um tempo, fiquei só olhando as pessoas indo até o caixão
em cima de um tipo de carrinho coberto com um pano roxo. Todas aquelas pessoas
que eu nunca tinha visto se ajoelhavam ao lado dele ou paravam ao lado dele e o
olhavam por alguns instantes, umas chorando, outras dizendo alguma coisa, e
então todas colocavam a mão no caixão, em vez de nele, porque ninguém quer
tocar os mortos.
A mãe e o pai do Gus estavam em pé ao lado do caixão,
abraçando as pessoas conforme iam passando, mas aí me viram, sorriram e vieram
até mim. Eu me levantei e abracei primeiro o pai, depois a mãe, que me deu um
abraço bem forte, como o Gus costumava fazer, apertando minhas clavículas. Os
dois pareciam muito envelhecidos — os olhos fundos, a pele flácida dos rostos
exaustos. Eles também haviam chegado ao fim de uma corrida com obstáculos.
— Ele amava tanto você… — a mãe do Gus disse. — Ele a amava
de verdade. Não era um amor qualquer de adolescente — ela acrescentou, como se
eu não soubesse.
— Ele também amava muito você — falei baixinho. É difícil
explicar, mas ao falar com os pais do Gus parecia que eu estava dando uma
facada neles e eles, em mim. — Sinto muito — eu disse.
E então os pais dele foram falar com os meus pais, a
conversa limitada a gestos de cabeça e lábios apertados. Olhei para o caixão e
vi que não havia ninguém em volta, então decidi andar até lá. Tirei a cânula
das
A
narinas e levantei o cilindro de oxigênio, entregando-o para
o papai. Eu queria que fôssemos só eu e só ele. Peguei minha bolsinha de mão e
andei pelo corredor criado pelas fileiras de cadeiras.
A caminhada parecia longa, mas fiquei dizendo aos meus
pulmões para se comportarem, que eles eram fortes, que podiam fazer aquilo.
Pude ver o Gus ao me aproximar do caixão: o cabelo estava perfeitamente
repartido do lado esquerdo, de um jeito que ele teria achado absolutamente
horrível, e seu rosto parecia plastificado. Mas ainda era o Gus. Meu magro e
belo Gus.
Quis usar o vestido preto que havia comprado para minha
festa de aniversário de quinze anos, meu vestido mortuário, mas não cabia mais,
então usei um vestido preto liso que ia até o joelho. O Augustus estava com o
mesmo terno de lapela fina que havia usado no Oranjee.
Quando ajoelhei, percebi que eles haviam fechado seus olhos,
claro que tinham feito isso, e que eu nunca mais veria aqueles olhos azuis.
— Eu te amo no presente do indicativo — sussurrei, e
coloquei minha mão no meio do peito dele. — Está tudo bem, Gus. Tudo bem. Está.
Está tudo bem, ouviu? — Não tinha, e não tenho, absolutamente nenhuma esperança
de que ele pudesse me ouvir. Eu me inclinei para a frente e beijei a bochecha
dele. — O.k. — falei. — O.k.
De repente me dei conta de que havia várias pessoas nos
olhando, e que, na última vez em que tantas pessoas viram um beijo nosso, nós
estávamos na casa da Anne Frank. Mas não havia mais, por assim dizer, um ‚nós‛
para se ver. Só um ‚eu‛.
Abri a bolsinha, enfiei a mão nela e tirei de lá um maço de
Camel Lights. Num gesto rápido, que, eu esperava, ninguém atrás de mim ia
reparar, enfiei-o no espaço entre o corpo dele e o forro de plush prateado do
caixão.
— Você pode acender esses — sussurrei. — Não vou me
importar.
* * *
Enquanto eu falava com ele, a mamãe e o papai haviam se
deslocado para
a segunda fileira de cadeiras com meu cilindro, para que eu
não tivesse de andar muito ao voltar. O papai me deu um lenço de papel quando
me sentei. Assoei o nariz, ajeitei os tubos nas orelhas e reinseri os cateteres
nasais.
Achei que iríamos até o santuário propriamente dito para a
cerimônia, mas tudo aconteceu naquela pequena sala lateral, a Mão Literal de
Jesus, acho — a parte da cruz na qual ele fora pregado. Um pastor se posicionou
atrás do caixão, quase como se o caixão fosse um púlpito, e tal, e falou um
pouco sobre como o Augustus havia enfrentado uma batalha corajosa e como o
heroísmo dele diante da doença foi uma inspiração para todos nós, e eu já
estava começando a ficar irritada com o homem quando ele disse: ‚No paraíso, o
Augustus vai, finalmente, ser curado e ficar inteiro‛, o que implicava que ele
tinha sido menos inteiro que as outras pessoas por lhe faltar uma perna, e eu
meio que não consegui evitar um suspiro de repulsa. Meu pai colocou a mão na
minha perna, logo acima do joelho, e me lançou um olhar de desaprovação, mas da
fileira logo atrás de mim alguém resmungou perto do meu ouvido, tão baixo que
quase não deu para escutar:
— Quanta baboseira, hein, garota?
Eu me virei.
O Peter Van Houten usava um terno de linho branco, feito sob
medida para abarcar sua rotundidade, uma camisa azul-claro e uma gravata verde.
Parecia que estava vestido para uma ocupação colonial do Panamá, não para um
enterro. O pastor falou:
— Oremos. Mas enquanto todo mundo baixava a cabeça, eu só
conseguia olhar boquiaberta para aquela visão do Peter Van Houten.
Depois de alguns segundos, ele sussurrou:
— Temos de fingir que estamos orando — e baixou a cabeça.
Tentei tirá-lo da cabeça e só rezar para o Augustus. Decidi
prestar atenção ao que o pastor estava falando e não olhar para trás.
O pastor chamou o Isaac, que estava muito mais sério do que
no pré-enterro.
— O Augustus Waters era o prefeito da Cidade Secreta de
Cancervânia, e ele não é substituível — o Isaac começou. —
Outras pessoas poderão contar histórias engraçadas sobre o Gus, porque ele era
um cara engraçado, mas vou contar uma história séria: um dia depois de
arrancarem meu olho, o Gus apareceu no hospital. Eu estava cego, com o coração
partido e não queria fazer nada. Ele entrou como um furacão no meu quarto e
gritou: ‚Trago ótimas notícias!‛ E eu falei, tipo: ‚Não estou a fim de ouvir
ótimas notícias agora‛, e o Gus disse: ‚Essas são ótimas notícias que você vai
querer ouvir‛, e perguntei para ele: ‚Tá, o que é?‛, e ele respondeu: ‚Você vai
viver uma vida boa e duradoura cheia de momentos maravilhosos e terríveis que
você ainda não tem nem como imaginar como serão!‛
O Isaac não conseguiu continuar, ou então aquilo era tudo o
que tinha escrito.
* * *
Depois que um amigo da escola contou algumas histórias sobre
os talentos consideráveis do Gus no basquete e suas muitas qualidades como
companheiro de equipe, o pastor disse:
— Agora vamos ouvir algumas palavras de uma amiga especial
do Augustus.
Amiga especial?
Algumas risadinhas foram ouvidas entre o público presente,
então achei que não haveria problema se eu começasse dizendo para o pastor:
— Eu era a namorada dele.
Aquilo provocou algumas risadas. E então comecei a ler o
papel com o elogio fúnebre que eu tinha escrito.
— Há uma citação muito boa na casa do Gus, uma que tanto ele
quanto eu achamos muito reconfortante: Sem dor, não poderíamos reconhecer o
prazer.
Prossegui citando vários Encorajamentos de merda enquanto os
pais do Gus, de braços dados, se abraçavam e anuíam com a cabeça a cada
palavra. Cheguei a uma conclusão: cerimônias como essa são para os vivos.
* * *
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